18/06/2014

Alberione: Místico ou Comunicador? (1)


“Criado à imagem e semelhança de Deus, o ser humano se comunica não por uma exigência, mas por um dom natural; não por uma ordem, mas por uma vocação”
(Diretório de comunicação da Igreja no Brasil, 99, 2014)
.
Padre Alberione é comumente conhecido como o “profeta da comunicação”, como de fato o foi. Entretanto, não será este o aspecto prioritário de nossa abordagem. Queremos, antes, voltar o nosso olhar sobre o homem interior, o Alberione sempre aberto à ação do Espírito, pois, “a comunicação não é simplesmente uma ação externa, técnica e sistemática... É a expressão do amor maior. Na intimidade do encontro pessoal do comunicador com o Criador, a comunicação lança suas raízes na verdadeira e inesgotável fonte de onde emana o sentido profundo dessa mensagem comunicativa [1]”. Neste sentido, tentaremos mostrar de que maneira o Pe. Alberione experimentou Deus e até que ponto podemos falar da relação entre mística e comunicação a partir de sua experiência cotidiana.

Antes, porém, de retratar o Alberione comunicador é indispensável observar elementos outros que antecederam a esta sua forma particular de evangelizar. Algo que não podemos esquecer é que, muito antes de ser o líder religioso, ele foi o menino simples e humilde da lavoura, que cuidou dos animais e que segurava a “lamparina” enquanto os pais aravam a terra no decair da noite. Foi neste contexto de simplicidade que ele aprendeu que “as obras de Deus devem começar do nada, em absoluta pobreza, como na gruta de Belém”. Em razão desta realidade, os temas do desapego, da humildade e da confiança na providência divina são sempre recorrentes nos escritos de Pe. Alberione.

Para Pe. Alberione, “Cristo, mente perfeita, sentimento perfeito, vontade perfeita tornou-se para o homem causa exemplar e causa de comunicação; assim, o homem torna-se por Cristo, com Cristo, em Cristo a mais sublime personalidade”. Alberione, profundamente motivado pelas palavras de Paulo, “não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”, vai buscar assumir autenticamente, e durante toda vida, a personalidade de Jesus Cristo caminho, verdade e vida. “Penso em Jesus Cristo, amo em Jesus Cristo, quero em Jesus Cristo”, afirmava com muita convicção.

A vida espiritual de Pe. Alberione não se restringe, de maneira alguma, a uma ou duas experiências de “êxtases”, mas foi uma vida inteira doada e sentida no amor misericordioso de Deus. Começou em casa, desde menino, sobretudo com o fiel exemplo de sua mãe, a quem sempre cultivou particular afeto. No entanto, um episódio marcante e decisivo em sua vida ocorreu aos 16 anos, quando este já era seminarista. Nessa época, 1900, Leão XIII era o papa. Este afirmava sempre: “A salvação de toda humanidade só pode vir de Cristo”. Tais palavras inquietavam o coração do jovem Tiago, de modo que seu interior era sacudido pelos angustiantes problemas sociais, econômicos e políticos. Na virada do século, após permanecer por quatro horas em oração diante do Santíssimo Sacramento, exposto na Catedral de Alba, Alberione “sentiu-se profundamente obrigado a preparar-se para fazer alguma coisa pelo Senhor e pelas pessoas do novo século”. Alberione se sente profundamente tocado pelo Divino Mestre e abandona-se “todo” – mente, vontade e coração – aos apelos de Deus.

Ali, naquela noite especial, ele parece ter compreendido, de fato, a grandeza do chamado de Deus para sua vida: “se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz, e me siga. Pois, quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perde a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la” (Mt 16,24-25). Seu chamado se confirma num autêntico diálogo com Cristo Eucarístico. Jesus anima-o: “eu estou com você”. Realiza-se aí uma profunda experiência de amor, do qual Alberione faz-se “prisioneiro fiel” até o fim da vida. Quem ama, naturalmente, não consegue guardar para si o amor que sente, pois é próprio do amor querer expandir-se e revelar-se. Como afirma o papa Francisco, “se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros[2]?”.

“Revestido do amor, que é o vínculo da perfeição” (Cl 3,14), o jovem Tiago, sente o desejo de comunicar a Boa-Nova de Jesus com os meios mais modernos e eficazes. Mais tarde ele vai perceber concretamente os frutos da semente lançada em seu coração naquela luminosa noite; depois de ser ordenado sacerdote, Alberione dá origem a uma grande família, ou como ele costumava dizer, “uma grande árvore” com dez ramos, da qual os Padres e Irmãos Paulinos, fundados em 1914, são o primeiro ramo. “Quem acredita em mim fará as obras que eu faço, e fará maiores do que estas” (Jo 14, 12), disse Jesus.

Embora não exista nenhum tratado das experiências espirituais de Pe. Alberione – pois ele próprio não tinha o hábito de relatá-las nem tampouco gostava que o considerassem um ascético – ele foi um homem de profunda interioridade e raro equilíbrio, como vai afirmar Pe. Roatta[3]: “cultivava um caráter tenaz e voluntarioso, fiel a si mesmo, aos seus princípios e as suas modalidades do alvorecer ao crepúsculo[4]”. O Papa Paulo VI também demonstrou particular apreço à sua firme personalidade: “Ei-lo humilde, silencioso, incansável, recolhido nos seus pensamentos, que passam da oração à obra, sempre atento a perscrutar os sinais dos tempos”.

As inúmeras orações compostas por Pe. Alberione (como legado para suas fundações) revelam a profundidade com que ele viveu sua missão. Com linguagem fortemente espiritual, as orações apresentam características próprias de quem, ao reconhecer a imensurável grandeza de Deus, “humilha-se a si mesmo” e, sem temor, assume suas fragilidades e insuficiência perante seu Criador: “somos fracos, ignorantes, incapazes e insuficientes em tudo – no espírito e na cultura, na missão e na pobreza[5]”. Tamanha humildade, contudo, não seria reflexo de verdadeira experiência mística? Como diz São João da Cruz, “estando a alma naquele excesso de altíssima sabedoria de Deus, toda a sabedoria humana torna-se evidentemente baixa ignorância[6]”.


[1] Diretório de comunicação da Igreja no Brasil, 2014, n.38, n.52.
[2] Evangelii Gaudium, 8
[3] Sacerdote Paulino e contemporâneo de Pe. Alberione.
[4] ROATTA, João. Jesus Mestre Caminho Verdade e vida. São Paulo: ed. Paulinas, 1976, p.6.
[5] Pacto ou segredo de êxito.
[6] Cântico espiritual, Canção XXVI, 13. São Paulo, EP, 1980, p.183.
[7] VANNINI, Marco. Introdução à mística. São Paulo, Edições Loyola, 2005, p.19.
[8] Reza e trabalha.
 [9] Estas palavras reveladas a Pe. Alberione permanecem, até hoje, escritas em todas as capelas paulinas.
[10] Diretório de comunicação da Igreja no Brasil, 2014, n.61.

Nenhum comentário:

Postar um comentário